quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Violão (En)cantador



Conheci a Paula (de longe) bem mesmo no dia em que vi a Ana Maria Braga num concerto gratuido comemorando o dia do Brasil em Portugal.  Como pintor que sou, me deu vontade de pintá-la ali mesmo, naquele momento. Mas vi que não tinha nenhum papel na minha mochila e nem tão pouco trazia o meu diário gráfico de costume,  nem mesmo meus lápis caríssimos comprados nas papelarias chiques de Paris. Além do mais fazia muito frio e ela vestia uma casacão preto e um vestido com uma calda vermelha que mais parecia o tapete das celebridade Hollywoodianas.A diferença é que o tapete era de renda.

Antes de conseguir chegar perto de milhas de distância do seu apetrechado camarim, tive que dar muita luta. Na verdade eu queria renitentemente dar-lhe de presente pessoalmente um dos meus livros de poesias que falava de pássaros que não são de fogo. Meu livro falava de rouxinois. E eu não sabia se ela gostava de rouxinóis ou não.

Antes de entrar onde a elite fica, tentei convencer o segurança de que eu era um artista e que tinha o desejo de entregar-lhe meu trabalho em mãos. Ele foi ríspido comigo e riu-se na minha cara. Disse que era muito difícil. Aliás, ele disse mesmo que era impossível. Mas, eu não desisti.Continuei ali, com a minha blusa cor de rosa gritante e com o frio mais horripilante a entranhar-me poros à dentro.

De repente, uma mulher com uma blusa preta com a palavra STAGE escrita em letras amarelas e garrafais passou por mim:

- Eu gostaria de entregar este livro para a Paula Fernandes- disse eu em tom simples para ela.

A mulher me olhou de cima à baixo e depois disse:

- Deixa que eu lhe entrego.

Expliquei-lhe que queria entregar-lhe pessoalmente e ela então pediu para que eu esperasse. Depois de meia hora ela voltou com um papel com uma foto da miss Fernandes, sentada em uma cadeira com um vestido curtíssimo como um robô com uma assinatura belíssima dela. Senti uma certa inveja. Como pintor de anos que sou, nunca em minha vida conseguiria fazer uma assinatura minha tão desenhada como aquela. Parecia ter saído de uma máquina fotocopiadora.

Foi então que decepcionado e com um topete grande de Elvis, cheio de brilhantina eu disse:

- Eu não quero o autógrafo dela, quero dar o MEU autógrafo para ela.

A  mulher riu-se da minha teimosia e disse que iria tentar.

Eu ri-me de mim mesmo. Que audácia a minha!

O segurança pediu-me para que desistisse. Eu saí, meio que de fininho, sem assumir que perdi. De repente (outra vez de repente), avistei duas inglesas dançando com os dedinhos para cima, uma música de Cazuza tocada em samba. Aproximei-me delas e expliquei-lhe que eu era um pintor-poeta. Elas me abraçaram e de seguida uma delas, a mais animada tirou o seu colar Vip e colocou-o no meu pescoço. Disse para que eu entrasse.

Bem que eu tentei entrar, mas o segurança reconheceu a minha blusa cor de rosa e disse que eu não podia entrar nem como Vip e nem como nada. Devolvi o colar e as inglesas disseram em coro: "Ahhhh".

Baixei a cabeça desanimado. De repente (outra vez de repente), avistei um monte de compatriotas meus coladinhos uns nos outros. Eles recebiam pulseiras coloridas. Era a minha chance!!!!  Uma delas, de origem pernambucana, me disse que estavam recebendo pulseiras para tirar fotos com a Ana e com a Paula. Expliquei-lhe que era um artista e ela pediu para que eu me mantivesse ao lado dela. De certeza que eu receberia uma pulseira vermelha daquelas também. Ela me afirmou. Reanimei-me.

Uma mulher chegou para distribuir as pulseiras e fingiu que eu não existia. A pernambucana arretada falou de mim para a mulher casmurra e com cara de omnipotência. Ela disse que só podiam entrar quem participara num passatempo da rádio. Que grande tolice. Porquê diabos eu deixaria as minhas telas para ligar para uma rádio comercial? Lágrimas lânguidas de humilhação rolaram na minha face cara de pau. A pernambucana passou as mãos no meu rosto e disse:

- Eu sei que você ama ela, mas esses artistas não merecem nem uma lágrima nossa.

Meu Deus, que absurdo! Eu não chorava por causa de uma Paula Fernandes que tem uma voz maravilhosa, mas que canta com a boca fechada parecendo que segura as duas mãos em cada uma das bochechas da maxila. Eu nunca choraria por mulher nenhuma a não ser pela minha Tim Tim. Mas eu não disse nada. Eu chorava por uma humilhação que nem eu sabia explicar qual era. Que diabos era essa mulher-viola intocável?

Eles entraram e a pernambucana olhou-me triste. Uma tristeza que eu nunca vi na cara de pernambucano nenhum em toda essa minha vida. Fui para o meio da multidão e pedi uma cerveja imperial. Tocava uma banda desconhecida. Umas bainas bonitas dançavam e quando elas desceram do palco eu pude até beijá-las.

De repente (outra vez de repente) alguém me puxou pelos braços. Era a pernambucana com um soriso de orelha à orelha. Seus dentes pipocavam como frevo.

- Até que enfim te encontrei homem de Deus! Olha! Arranjei uma pulseira para você! Tome! Agora vá!

Não sei como ela conseguiu aquela pulseira amarela fosfuorescente. Entreguei a minha cerveja para ela e entrei portão à dentro.

  Fui entrando e vendo um monte de gente, um monte de máquina de cerveja funcionando, um monte de brasileiros dançando com copo de cerveja nas mãos sem derramar um pingo para o chão. Vi as duas turistas inglesas que me saudaram alegremente. Eu sorri o meu sorriso gauche, bem mesmo de lado.

Fui entrando, entrando. A moça com a camisa STAGE me pegou pelos braços e sorriu. Me colocou do lado de um afinador de sons. Ele comia uma sandes e me ofereceu um pedaço com cortesia. Despensei com educação.

De repente (mesmo de repente) eu vi a produtora que me negou as pulseirinhas vermelhas. Estava como uma parvalhota, a tirar fotos com o Louro morto (sim, porque não havia nenhum Tom Veiga alí embaixo ou dentro dele, era apenas um boneco inanimado). Ri sozinho da macaca tiete de auditório. Ela me viu e fingiu que não me viu de novo.

A Paula saiu do camarim em que estava depois de horas. A porta estava entre-aberta e deu para ver umas sandálias borrachudas crocs viradas para baixo. Seriam dela? Sapato virado para baixo dá azar. Eu até cheguei a pensar nisso.

Miss Fernades olhou para os fãs Vips que ali estavam atrás e sorriu bonitamente. Eu nem liguei. Juro! Mas devo confessar que ela parece uma bonequinha. Não gosto de pintar bonecas.

Ela foi subindo as escadarias de ferro com o seu tapete vermelho rendado colado ao traseiro até que... scataplef! Sim, a Paula Fernandes caiu e eu vi! Gostaria de ter pintado esta cena. E por acaso, quando cheguei em casa até pintei ela assim mesmo. Tim tim ficou um pouco enciumada, por que eu pintei-a linda e maravilhosa caida no chão. A intocável não me deu nenhum beijinho mas beijou a boca fria da escada de metal descascado. Eu ri dentro de mim, para não parecer tão mau e enfadonho.

Não sei se ela chegou a receber os meus livros  nem se ela gosta de rouxinois. Sai de lá de trás faceiro e rebolante. Olhei a minha pulseira e só naquele momento conseguia ler o que me identificava ali: ARTISTA. Sorri o meu sorriso gauche. Apertei as mãos do segurança e ele disse:

- Boa sorte escritor!

Eu sorri novamente. Abandonei o show na primeira música que ela começou a cantar. Não que eu não goste dela mas Tim Tim me esperava nua na cama e além do mais estava muito cansado e com frio. Olhei a minha pulseira novamente e lembrei-me da verdadeira artista da história: a pernambucana que eu nem sei o nome e que tinha o sorriso escandaloso de frevo e pipoca saltitante.


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